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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Conto poético: AS CONFISSÕES DE DÓROTI


             
 
Convivi, dezenas de anos, em minha Instituição,
com um homem enérgico, austero. 
De origem alemã, brilhante advogado, não
transigia, social ou profissionalmente.
Por vezes, era evitado, se dele dependesse
alguma concessão, que não estivesse calcada
no direito.
Perdeu amigos, por isto.
Mas, como era a sua vida em família ?
Sempre nutri  esta curiosidade.
Esta semana, estive com os seus familiares.
Não poderia perder esta rara oportunidade, é
evidente.
Foi casado, com a mesma mulher, por mais de
meio século.
Disse-me, Dóroti:
" Um homem exemplar. Verdade.
Detentor de um temperamento muito forte,  mas,
me ouvia.
Compartilhou, comigo, das mais importantes
decisões da sua vida, quer no campo social,
quer no profissional.
Conversava, olhando-me com ternura.
Tocava em meu rosto, beijando-me, como
que pedindo perdão, por ocupar meu tempo,
embora jamais haja reclamado de alguma coisa.
Chorava, ao apreciar uma orquídea que acabara
de desabrochar, ou quando tomava conhecimento,
de algo que o tocasse, emocionalmente.
Guardava todas  as suas lágrimas, para derrama-las
em minha presença.
Eu o entendia.
Era uma questão de confiança, em mim, creio.
Claro, ficava muito orgulhosa ...
Quando ouviu o último apito do trem da vida, olhou
em meus olhos , fazendo uma  declaração
surpreendente, dizendo-me que fez tudo errado,
pois esteve  equivocado,  durante sua existência.
Chorou copiosamente, levando, também, todas as
minhas lágrimas, que impediram de dizer-lhe o
quanto o amei, exatamente por  ser o homem
digno, que sempre foi."
Fiquei mudo, limitando-me beijar sua face, em nome
do meu  " Irmão ".
 
 

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Conto, quase poético: E AGORA, JOSÉ ?


 
A arrogância, a prepotência, e a ambição,
dominaram a tua alma, devoraram as tuas
entranhas, embriagando o teu coração.
O poder é assim mesmo, idealista falsificado !
Pensaste ser intocável, acima das leis dos
homens, e de Deus ?
Estavas enganado !
Ninguém consegue enganar a todos, por  todo
tempo.
Acabaste contigo mesmo...
Assisti quando falaste, com o peito estufado:
"vamos dar um cavalo de pau neste País ".
Até não entendi muito bem, o que estavas
querendo afirmar.
Somente mais tarde, fui compreender que
estavas planejando  atos criminosos.
Fiquei surpreso, pois imaginava, até então,
que eras um idealista, ávido por mudanças
sociais, econômicas, etc.
Como me enganei contigo, José !
Jamais passou por minha cabeça, juro,
que serias capaz de articular tantos atos
desabonadores.
Logo tu, que defendias a moralidade pública,
com tanta veemência.
Então, nem valeu a pena a tua chegada ao
poder.
Não somaste nada a minha Pátria.
Muito pelo contrário, só subtraíste...
Manipulaste fortunas, dinheiro carimbado
com o suor do trabalho do meu povo.
Até acredito que nem saibas do que estou
falando, pois, pelo que me consta, nunca
derramaste suor, vindo do trabalho...
Dinheiro que deveria ser revertido em prol
das necessidades públicas, como hospitais,
escolas, segurança, habitação, etc. etc.
Faltou vergonha, ou sobrou canalhice, José ?
Desculpa-me, mas não sou eu quem está
afirmando isto. É a Corte maior de Justiça,
quem  assim entendeu,  ao te condenar à prisão.
Nossa José  !
Hoje vi o avião da Polícia Federal, te conduzindo
à penitenciária.
Voltei a sentir orgulho do meu  País. Creia-me.
Mas, e  agora, José ?
 

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Conto poético: UM ORADOR MISTERIOSO


 
 
Numa linda Cidade, ao sul do meu querido Estado,
no início do século passado, aconteceu um fato, até
hoje,inexplicável.
Um homem, nativo daquela Terra, após um longo
período de sofrimento, sucumbiu.
A população estremeceu de tanta dor.
 Missas de corpo presente e, também, ausente,
foram realizadas. 
Por onde passava o féretro, as pessoas, de joelhos,
rezavam.
A população estava em comoção.
À porta  da última morada, o sacerdote  tentava
acalmar os presentes, com sucessivas orações. 
Liberada a palavra, o silêncio foi quebrado por
alguém,  pedindo autorização para dela fazer uso.
Um  mendigo, maltrapilho, falou de uma profunda
filosofia existencial.
Comentou a vida, a felicidade, e a morte.
Enalteceu o universo, fazendo científicas
comparações...
Falou  sobre o fogo, que a tudo renova.
"Está escrito, em hebraico, na Cruz de Cristo",
disse.
Parabenizou aos filhos, por descenderem de um
tronco tão digno, e serem depositários das células 
de um homem, tão amado  por todos.
"Ele cumpriu o seu papel, perante à sociedade,
assim como o trigo alimenta a humanidade, e
espalha as suas sementes, para futuras  colheitas.
Vocês são  a continuidade da vida deste homem."
Todos  refletiram, e se acalmaram ...
Após a cerimônia, foi procurado para cumprimentos,
e agradecimentos ,por tão sábias palavras.
Não foi encontrado.
Desapareceu, como que por  encanto.
Ninguém o conhecia,  e nunca mais foi visto...
Procura-se, ainda, em cada mendigo, um  vestígio
daquele belo pronunciamento.
 
 

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Conto poético: ZUMBI DA MADRUGADA


 
Acordei com  o silêncio da madrugada, quebrado
pelo gorjeio da coruja.
Está agitada, parece que perdeu o que tanto 
procurava.
Lindo,  o cantar do galo !
Por que será que canta com tanta insistência,
e sempre no mesmo horário ?
Também ouço,  ao longe,  o ladrar  de um cão.
Como a madrugada é diferente, trazendo  imagens 
a minha mente ...
No meu sonho, ela esteve presente,  linda,  como
sempre.
Que  carinhoso abraço, me deu !
Sorriu  e me beijou, falando, ofegante, de amor.
Veio de longe, parecendo assustada, fugindo de
alguém ou, talvez, da vida.
Que olhos lindos, ela  tem !
Observo seu rosto...  angelical !
Nos lábios, um divino sorriso,  recitando versos,
no palco do céu.
É uma bela poetisa, aplaudida pelos anjos, e  
demônios, também.
Transita pelas estrelas, brilha no firmamento, ofusca
a luz do sol.
Ao meu lado, então, repousa  uma Deusa solitária,
dona da minha  v ida,  carcereira dos meus 
sentimentos.
Em  sua alma,  vagam  zumbis aprisionados, como eu,
habitantes da escura solidão.
Reconheço sua beleza fascinante, iluminando o meu
coração.
Ah, este sentimento me faz sonhar !
Não quero mais acordar !
 
 

sábado, 2 de novembro de 2013

Conto "semi poético": O INCONVENIENTE


 
Aqui, no bairro onde resido, há uma figura que,
certamente, passará para a história do cotidiano,
como um ser folclórico.
Carlinho, como todos o chamam, e apesar do
carinhoso diminutivo, é um homem já passando
dos 40,  é incrivelmente simplório.
Tudo o que lhe vem à cabeça, faz questão de
exteriorizar.
Está à frente de qualquer "manezinho  da Ilha",
como são chamados os nativos desta minha
querida Cidade, alguns anos luz.
Não suporta ir para casa,  em silêncio, se
alguma coisa lhe  chamou a atenção.
"como estás feia e gorda. 
Da última vez que te vi, estavas magrinha,
mais bonitinha, mais bem vestidinha..
O que aconteceu ? "
Sonhava em ser policial,  mas por ser mais
baixo "dois milímetros,"  foi reprovado !
Sua irmã namorou e casou, com seu amigo
que, também, queria ser policial, e conseguiu.
Estudioso e compenetrado, em seguida foi
selecionado  para o curso  de sargento.
Após duro período de capacitação, em regime
militar rigoroso, finalmente, a formatura pomposa.
Carlinho, agora, é cunhado de um sargento da
gloriosa Polícia Militar do meu Estado.
Frustrado e, certamente, com uma ponta de inveja,
não conseguia se conter, ao ver o cunhado,
Impecavelmente fardado, e com as lindas divisas de
sargento.
Que glória ! 
Um sonho realizado !
Tudo ia maravilhosamente bem, até a chegada do
seu cunhado, Carlinho que, na frente dos formandos,
e convidados, "abriu as baterias", dizendo-lhe em
voz bem alta, como é a  sua  maneira de falar:
"Aí,  muito bonito ! 
Quem diria ! 
Por dois milímetros, na minha altura, não pude ser
policial.
Tu,  que roubavas botijões de gás, hoje estás aqui,
todo enfeitado."
Foi um mal estar geral, sem precedentes...