pulsando

Seguidores

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

conto poético: A Prostituta

 
 
Lembrei-me,  hoje, de uma conversa  interessante,
que tive com uma mulher, há muitos anos passados.
Ainda estudante, e sentado à sombra da histórica
figueira da Praça XV de Novembro, centro desta minha
querida Cidade, relia a matéria de uma prova, marcada
para aquela noite.
Pensava estar desligado de tudo, compenetrado, apenas,
naquele sério compromisso escolar.
Um vulto feminino, entretanto, trouxe-me de volta à
realidade daquele momento.
Pediu-me licença, sentando-se ao meu lado, num banco
de jardim.
Um perfume, fortemente adocicado, tomou conta da
atmosfera, e somente se dissipando, com a fumaça
do cigarro "Saratoga," por ela fumado compulsivamente,
e sem piteira.
Alguns transeuntes fulminavam-me com o olhar.
Outros, conhecidos, fingiam não me ver, virando o
rosto.
Que hipocrisia miserável !
Até, então, nunca havia percebido uma mulher
calçando sapatos com saltos tão altos, e maquiagem
tão forte.
Nem  sei avaliar a altura, mas eram bonitos e
realçavam a sua elegância feminina.
Pela proximidade, perguntei-lhe se era funcionária
do Palácio do Governo do Estado.
Sorriu, discretamente,  e respondeu estendendo
a conversa.
"Não !
Sou, apenas, uma prostituta.
Espero que não fiques chocado com a minha
resposta.
Meu maior, e mais frequente trabalho, é ouvir os
desabafos dos "clientes".
Criticam as suas companheiras, o trabalho, os
políticos, os amigos, etc.
Parece que precisam de pessoas, como eu,
para ouvi-los.
Sabem que o segredo estará bem guardado,
pois nunca falam os seus verdadeiros nomes.
Nem eu, o meu.
Ganho muitos presentes, e até emprego público
 já me ofereceram.
Não aceitei, pois amo o que faço..."
Anos depois, numa das esquinas da vida, eu
a reencontrei vendendo loterias, para sobreviver.
Disse-lhe que estivemos juntos, por alguns
minutos, no jardim...
Respondeu não se lembrar de mim, pois muitos
foram os seus "clientes," e que agora fingem
não reconhece-la.
"Entendo.
Quem gostaria de ser reconhecido por uma
prostituta do passado, que serviu de  divã " ?
 
 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

conto poético: A Perda da Dignidade






Era um homem solitário.
Isolado da sociedade.
João Alfredo, apenas, sobrevivia.
Vestia-se de pescador, mas não era um deles.
Este fato, despertou minha curiosidade, mesmo
porque, poucos o conheciam.
Eu era um deles.Observei que não
possuía nenhuma intimidade
 com os apetrechos de pesca.
Mal conseguia "abrir"a sua tarrafa, o que,
para um pescador, é
imperdoável. Uma questão de
honra.Parecia esconder-se
 sob um chapéu de palha
que, também, o denunciava como
falso nativo desta  comunidade.
Circulava com os pés descalços,
mas andando muito mal...
Era um homem estranho,triste
 de olhar perdido no horizonte.
Residia numa casa
modesta demais, quase um
rancho, parecendo votos de
 penitência, ou de pobreza.
Não pela vez primeira, presenteei -o com uma
cesta de frutas, colhidas em meu terreno.
Desta vez, mais receptivo,colocou dois
pequenos bancos de madeira, à sombra da
aroeira,e resolveu conversar, quebrando o
silêncio de vários meses, certamente,
mais de um ano. Serviu-me, antes, uma
caneca de suco de pitangas,
 colhidas em seu pequeno quintal.
Uma delícia !
Disse, surpreendendo-me:
" Eu já conhecia este lugar pois, por vários anos,
sempre no mês de janeiro,passava minhas férias
por aqui. Nunca inferior a quinze dias.
É uma praia maravilhosa !
Foram os momentos mais felizes da minha vida...indescritíveis !
Do Costão da Feiticeira, até o Costão da Santinha,
de ponta a ponta,são 6 km de praia.
 Águas azuis,do Oceano Atlântico.
Um paraíso que eu percorria
todas as manhãs, como hoje,
ainda o faço . Agora,
apenas, com as minhas
lembranças, e os grunhidos
das faceiras gaivotas.
Minha companheira é a imaginação ... muito fértil.
Eu a vejo vindo ao meu encontro, de braços abertos,
como antigamente.
Corro em sua direção, mas ...
procuro na areia as suas pegadas, pois
é tão real a sua presença... fico frustrado, e triste.
Abandonei a minha empresa, perdi a motivação, e as
ambições naturais.
Quero ficar assim, como estou, no anonimato, e viver
somente das lembranças, que são
maravilhosas !
Ela levou o meu amor, a minha felicidade
 os meus desejos, e até a minha dignidade.
Imagina,  perdi a dignidade..."
E eu disfarcei as minhas lágrimas,
pois muito pouco consegui
acrescentar,  além destas reticência...

sábado, 22 de fevereiro de 2014

conto poético; Mandela

 
 
Quando dos teus olhos percebi a vida, que
lá estava escondida, libertei-me das dores
que me torturavam as feridas.
A submissão da alma, presa ao pelourinho,
gemia ao canto da chibata, e ao grito
satânico do chicote enciumado, parecendo
o sorriso endiabrado, de quem piedade não
ofereceu.
Da beira da praia, escuto o gemido da tua
dor.
Silenciam os Oceanos, mas não calam. Gritam !
O meu, mudou de cor.
Transbordam as águas, misturadas às lágrimas
de quem tanto, e desesperadamente, te amou.
Ao perceber tua clausura, pelos longos e sofridos
27 anos de gestação, minha convicção, por ti, só
aumentou.
Teu corpo, a maldade prendeu.
Mas, teus pensamentos voaram livres, nas
entranhas da alma do teu sofrido povo.
Na busca da liberdade, foste o herói, mudaste
a história.
Demorou, mas ensinaste aos algozes, que a
a pena, pelo parto, valeu.
O brado ensurdecedor da vitória, o mundo
escutou !
Teu lindo povo chorou de alegria, e cantou na
tristeza. Comovente !
Eu ouvi daqui. O mar me contou ...
Agora, o vento que sopra daí, para cá traz o
teu silêncio...
Concluíste a tua obra. O restante é moldura!

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Conto poético: 180 kg DE AMOR


 
Noite de fevereiro. Lua crescente.
21.16 h., precisamente.
Seguia-se uma temperatura  muito alta, fora
da normalidade.
Insuportável, para os limites aqui do sul.
Buscando uma brisa oceânica, sentei-me,
confortavelmente, à beira mar, com os pés
na água, ainda morna,  pelos efeitos do sol
causticante, do dia que acabara de se despedir.
Muitas pessoas se exercitando, em caminhadas
extensas, pela aconchegante praia dos Ingleses,
norte desta minha Ilha encantadora.
Distraído, quase não percebi o  casal de vizinhos
que, de mim, se aproximou e, gentilmente, me
cumprimentou.
Ele, um homem esbelto, ainda jovem, e de boa
posição social.
Ela, educada,  e de uma nobreza de sentimentos,
admirável !
Entrou no mar, trajando uma "saída de banho",
escondendo-lhe o corpo, por completo.
E, aí, ele comentou:
"É compreensível sentir vergonha, quando se pesa
180 kg.
Eu sinto muito orgulho desta mulher.
O peso  que  carrega, é só de bondade
Amamo-nos,  intensamente.
Estamos casados há mais de vinte anos, e nem
percebo, no dia a dia,  o que muitos reparam.
Eu vejo a sua alma, através  dos seus olhos,
meigos e bondosos.
É a minha conselheira, meu apoio emocional...
Conhece-me, até, pelo olhar, quando não estou bem.
Nas madrugadas frias, aqui do sul,  por várias
vezes  interrompe o seu repouso, para cobrir
meu corpo com mantas mais quentes, beijando,
em seguida, a minha face. Finjo estar dormindo...
Fico emocionado,  por receber tanto amor, e
tamanha dedicação.
Não  me deixa esquecer qualquer compromisso,
e quando fico doente, quem sente a dor, é ela. "
Lágrimas de emoção, brilharam no rosto daquele
homem, sob a luz do luar.
E eu tirei as minhas conclusões.
Estavam, ali,  dois seres maravilhosos, sob o manto
de um lindo amor.
De longe, vi a silhueta daquela  linda e bondosa
mulher, brincando com as ondas do mar, sob o olhar
de um homem, apaixonado e feliz !
 
 
 
 

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Conto poético: UM MAESTRO IRREVERENTE


 
Esta minha querida Ilha, realiza um dos melhores
carnavais do Brasil.
A animação é contagiante, unindo nativos e turistas. 
A criatividade não tem limites.
Sons repetitivos de instrumentos  musicais,  arrastam 
multidões.
Surgem os mais variados personagens.
Dentro deste espírito criativo, um  grupo de amigos,
vestidos a rigor, terno preto e gravata, arrebatava  entusiásticos aplausos.
Era a "Orquestra Filarmônica," composta por qualquer
quantidade de "músicos," e um desvairado maestro,
que regia sem conhecer, sequer, uma nota  musical.
Cada qual executava o seu instrumento, da maneira
como bem entendesse, sob a batuta do irreverente
Maestro, Túlio Cavalazzi  que, na vida real, foi um
respeitável Advogado.
A orquestra se apresentava em pontos estratégicos
da Cidade, e foi reconhecida como uma das maiores 
atrações  carnavalescas desta Terra.
Como agradecimento  do  povo, a rua em que
residia, recebeu, oficialmente, o seu  nome, num 
gesto de explícito  carinho.
Porém, não como "Doutor" mas,  acertadamente,
"Rua Maestro Túlio Cavalazzi".
Alguns profissionais da música, , porém, "torcem o nariz,"
 ao ver a suntuosa  placa, exposta  em seu pedestal.
Fico a pensar que nenhum deles conseguiu, em  tempo
algum, fazer tanta gente feliz... mesmo  sabendo manipular
as notas musicais.
Parabéns, irreverente Maestro, pois tua orquestra estará
sempre brilhando, nos próximos  carnavais, nos corações
daqueles que assistiram a tão belos, inesquecíveis, e
irreverentes concertos !
 
 
 
 

domingo, 9 de fevereiro de 2014

conto poético: Aos Senhores Condenados




Final de primavera.  
O verão já está logo ali, abrindo as cortinas para
mostrar esta Ilha paradisíaca, em que resido.
Sentado,e à sombra
de um aconchegante "Kioski",
observo as ondas,em ritmo compassado,
embalando gaivotas faceiras e
saciadas,em época de reprodução.
É só amor...o  mar entoa canções,
 atraindo embarcações,
enchendo
os olhos do pescador.
Afoitos,surfistas desfilam
 com suas coloridas pranchas,
à beira  d´água, impressionando
 a garotada, que já exibe  a textura do sol carinhoso.
O vento de hálito quente,sopra  da terra para o mar.
Meu olhar é interrompido por uma
 vóz  gentil, e familiar.
Senta-se  ao meu lado, o Senhor Conde,
um conhecido  e experiente
 pescador, nativo deste lugar
 e que sempre tem uma boa
 conversa, para registrar.
Dividi,
com ele, as minhas emoções,
 já que é um homem bem informado,
e muito sensível.
Nem precisei comentar.
 Percebeu...
disse-me:
"Como é lindo este pedaço de chão!
Resido, aqui, desde que nasci, e não me canso de
observar a sua beleza. Cada momento
é especial, como se fosse um
cenário de teatro, se modificando
a todo tempo."
Retirou o surrado chapéu de
palha da cabeça, colocando-o
sobre o joelho, dizendo-me, emocionado :
"Esta praia tem 6 km de extensão, e eu
a percorro diariamente.
Além do mais, este interminável
Oceano, me seduz, me faz muito feliz !
É um sentimento de liberdade indescritível.
Vejo as reações,e ouço os grunhidos
 das gaivotas, e sei o que estão
procurando.
 Parece uma dança !
Respiro ar puro, apanho sol, vejo conchas
marinhas, algumas são estranhas.
Sinceramente, sinto piedade
daqueles senhores ladrões,
que furtaram o dinheiro do povo,
 o meu dinheiro.
Não podem desfrutar desta
liberdade, que me é oferecida,
gratuitamente, pela natureza.
Talvez, nem saibam do que estou falando.
Vou para casa,abraço e beijo
os meus filhos, e netos, de
cabeça erguida,e todos  tem
respeito, admiração, e orgulho de mim.
Aqueles senhores,vigiados por policiais,
estão condenados.
São bandidos, algemados pela lei.
Em minha casa, até pode faltar luxo,
 mas sobra vergonha,dignidade, e liberdade.
Sinto-me um milionário,preservando minha honra,
falando de amor.”
Nossa, tenho orgulho daquele homem, simples,
honesto,e  sábio!

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Conto quase poético: Cabo Peixoto





Foi um policial militar, da década de 50.  1950.
Um apaixonado por sua farda.
Impecavelmente vestido, brilhava na tropa,
literalmente.
Seu fardamento era inigualável, pela limpeza,
e alinhamento geométrico.
Suas botas brilhavam, e seu rosto sempre
escanhoado. 
O cabelo aparado, e muito bem penteado. 
Era intransigente. Posso testemunhar.
Contam-se muitas histórias de caserna, sobre
este homem.
Nem sei, porém, se  todas são verdadeiras.
Duas delas, ele mesmo me relatou e, mais
tarde, pude comprova-las, com os próprios
protagonistas.
Certa ocasião, ganhou  uma carona do seu
vizinho, que o levou do bairro, onde residia,   
até o centro da Cidade.
Ao desembarcar, entregou ao proprietário do
automóvel, que acabara de lhe dar  a carona,
uma notificação de multa, por ultrapassar a
velocidade permitida.
De outra feita, algemou um homem,  que estava
num bar, bancando o valentão, e o levou para a
delegacia de polícia.
Tudo seria normal, não fosse aquele homem o
seu irmão.
Foi "ordenança" de um Governador deste Estado.
Dizem que nunca se aproveitou da proximidade
com aquela autoridade, para usufruir de  qualquer
privilégio. Homem  discreto !
Falei com a sua esposa, e a parabenizei  pela forma
impecável, com que cuidava da farda do seu marido.
Sorriu, e me confidenciou ser ele, o próprio a cuidar
do seu fardamento, pois ninguém seria capaz  de lavar
e  passar as suas roupas, como ele próprio.
Inexplicavelmente, foi expulso da corporação militar.
Não suportou  a  dor, e sucumbiu, de tanta cachaça
que bebeu...
Dizem que nos últimos minutos de vida,  levantou-se
do leito,  perfilou-se em posição militar, e fez
continência a Jesus Cristo...
Eu o conheci, e não duvido disto.