Lembrei-me,  hoje, de uma conversa  interessante,
que tive com uma mulher, há muitos anos passados.
Ainda estudante, e sentado à sombra da histórica
figueira da Praça XV de Novembro, centro desta minha 
querida Cidade, relia a matéria de uma prova, marcada
para aquela noite.
Pensava estar desligado de tudo, compenetrado, apenas, 
naquele sério compromisso escolar.
Um vulto feminino, entretanto, trouxe-me de volta à 
realidade daquele momento.
Pediu-me licença, sentando-se ao meu lado, num banco
de jardim.
Um perfume, fortemente adocicado, tomou conta da 
atmosfera, e somente se dissipando, com a fumaça
do cigarro "Saratoga," por ela fumado compulsivamente,
e sem piteira.
Alguns transeuntes fulminavam-me com o olhar.
Outros, conhecidos, fingiam não me ver, virando o 
rosto.
Que hipocrisia miserável !
Até, então, nunca havia percebido uma mulher 
calçando sapatos com saltos tão altos, e maquiagem
tão forte.
Nem  sei avaliar a altura, mas eram bonitos e
realçavam a sua elegância feminina.
Pela proximidade, perguntei-lhe se era funcionária 
do Palácio do Governo do Estado.
Sorriu, discretamente,  e respondeu estendendo
a conversa.
"Não !
Sou, apenas, uma prostituta.
Espero que não fiques chocado com a minha 
resposta.
Meu maior, e mais frequente trabalho, é ouvir os 
desabafos dos "clientes". 
Criticam as suas companheiras, o trabalho, os
políticos, os amigos, etc.
Parece que precisam de pessoas, como eu, 
para ouvi-los.
Sabem que o segredo estará bem guardado,
pois nunca falam os seus verdadeiros nomes.
Nem eu, o meu.
Ganho muitos presentes, e até emprego público
 já me ofereceram.
Não aceitei, pois amo o que faço..."
Anos depois, numa das esquinas da vida, eu 
a reencontrei vendendo loterias, para sobreviver.
Disse-lhe que estivemos juntos, por alguns 
minutos, no jardim...
Respondeu não se lembrar de mim, pois muitos
foram os seus "clientes," e que agora fingem 
não reconhece-la.
"Entendo. 
Quem gostaria de ser reconhecido por uma 
prostituta do passado, que serviu de  divã " ?



